Não, o São Paulo não vai acabar. Não é disso que trata este texto.
O que chega ao fim é a sua história, conforme vinha sendo construída – e contada. Uma nova fase – e uma nova história – já começou e o introito não é soberano.
O futebol brasileiro foi majestoso enquanto o processo de profissionalização na Europa não iniciara ou não se concluíra. Além de títulos mundiais, os campeonatos nacionais eram relevantes, os times (relativamente) fortes e os jogadores se formavam e se mantinham por longo período desfilando em campos locais.
Não havia ambiente para que um time se distanciasse muito dos demais. Os recursos eram poucos e as técnicas amadoras. A formação de jogadores era pródiga e, mesmo que um grande time passasse anos sem um título, conseguia inverter a sorte, tornar-se campeão e, a partir daí, retomar sua posição no cenário nacional. A política clubística atrapalhava, mas não destruía – porque não se atuava em ambiente profissionalizado e tecnológico.
O São Paulo soube, como nenhum clube, sobretudo a partir da década de 1970, operar no ambiente amador do futebol brasileiro. Nesse período – ou nessa fase da história – foi o maior.
Ocorre que a economia do futebol mudou. Quem tem recursos deixa quem não tem para trás. Não há mais limite para o distanciamento entre quem se organiza e não se organiza.
A realidade de mercado foi desprezada pelo São Paulo. Enquanto admirava sua soberania, incorporando a patologia de Dorian Gray, os adversários se organizaram e, em muitos aspectos, o superaram: estádios, centros de treinamento, títulos internacionais; o que era exclusivo, passou a ser detido por todos – ou quase todos.
Para agravar a situação, o São Paulo mergulhou em seus dramas políticos e, paradoxalmente, manteve sua postura de auto-adoração. O ápice foi a renúncia do presidente Carlos Miguel Aidar.
Na esteira desse episódio, seu sucessor e atual presidente, Leco, aprovou uma reforma estatutária que se anunciava como a via modernizadora que colocaria o São Paulo à frente de todos os demais. Ao menos a arquitetura estatutária fora desenhada para esse fim.
E o que aconteceu desde então? O São Paulo continua a ser o mesmo de sempre, ensimesmado em suas glórias do passado, abusando de uma ilusória soberania.
A culpa tem um nome? Não. A culpa é coletiva.
As instituições (ou os órgãos) e os indivíduos falharam, dos associados aos dirigentes, passando pelos torcedores. Uns têm mais culpa do que os outros, evidentemente, mas todos (ou quase todos, com raras exceções) foram coniventes com a manutenção do modelo arcaico de administração de um estatuto contemporâneo.
Dois exemplos ilustram essa afirmação.
O primeiro diz respeito ao papel do conselho de administração. Sua criação simbolizava o ritual de aprendizagem e de passagem ao modelo realmente empresarial, de que se falará a seguir. Trata-se de órgão que deveria definir a orientação geral, fiscalizar, controlar e estabelecer relações com o mercado, e a exigência estatutária de membros independentes prenunciava o ingresso de pessoas de mercado – como é o caso do conselho do Bayern Munich, que conta com a participação do chairman da Volkswagen, do conselheiro sênior da Allianz, do conselheiro da UniCredit Bank, do CEO da Deutsche Telekom e do CEO da Deutsche Börse -, capazes de ajudar a implementar o processo transformacional que se anunciava.
O segundo envolve um processo interno que já deveria ter sido finalizado, de acordo com o art. 170 e seguintes do estatuto social – pelo que se noticia, está parado no conselho de administração desde maio de 2018 -, e culminaria numa pergunta aos associados: querer ou não querer o deslocamento do futebol para uma empresa autônoma, controlada pelo São Paulo e dirigida profissionalmente.
A realidade é que a tensão atual, marcada pela insatisfação da totalidade dos torcedores, não tem nada a ver com a promessa de transformação estrutural que o estatuto trouxe, mas com a falta de título. Se o São Paulo estivesse ganhando, mesmo que à conta do comprometimento futuro, talvez ninguém – ou quase ninguém– se insurgisse.
A falta de títulos não é, porém, a causa do problema; é a consequência. Aliás, qualquer ataque institucional por esse motivo, por mais doloroso que seja, é ilegítimo.
O São Paulo perdeu a oportunidade, logo após o início do segundo mandato de Leco, de pular no trem vitorioso de sua nova história; se ainda correr, e muito, conseguirá pegá-lo na estação seguinte. Se o perder novamente, já não haverá mais meio de alcançá-lo.
E aí talvez seja realmente o fim de um grande time, que apenas terá um grande passado.
Autor: Rodrigo R. Monteiro de Castro é presidente do MDA. Ex-presidente do IDSA. Professor de Direito Comercial do Mackenzie. Doutor em Direito Comercial pela PUC. Coautor do projeto de lei que institui a Sociedade Anônima Simplificada. Coautor do Livro “Futebol, Mercado e Estado” e autor dos livros “Controle Gerencial” e “Regime Jurídico das Reorganizações”. Sócio do escritório Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados.
(17) Comentários
Ferreira
21 de fevereiro de 2019Mais lero, lero e pouca ação. A verdade é que ninguém dentro do clube toma uma atitude para nada. Não cagam, nem saem da moita. Não agem, nem deixam os outros de fora agir. Esse é o verdadeiro problema. O SPFC precisa de uma terceira via, mas, de imediato, alguém precisa tomar uma atitude, nem que seja para antecipar as eleições.
Zayit
21 de fevereiro de 2019o spfc acabou faz tempo... nao ve quem nao quer
Diego
21 de fevereiro de 2019O SP está acabado, sem perspectiva, sem credibilidade... vivendo das glórias do passado!
Caio
20 de fevereiro de 2019Totalmente exagerado São Paulo precisa de um técnico (faz anos que não tem) e montar um time bem montado. Só isso. Esse ano por exemplo. Em dezembro tínhamos feito três ótimas contratações. Mas parou aí. Faltaram mais 4 contratações (ficou perto de fazer mas não fez)e se livrar de Hudson, Reinaldo, Bruno Pérez (infelizmente pois parecia ótima contratação mas parece estar bichado). Na Base, tem que parar de insistir tanto em Ademilson(perdemos um Libertadores por causa dele), Evangelista, Lucão( fez 88 jogos pelo SP PQP)Schimidt, Shaylon, Lucas Fernandes, Brenner, Helinho. Essa molecada tem que ser assim, colocar 3 jogos, se jogar fica se não jogar, empresta. Rápido. Tem que rodar. Nossa gestão é ruim. Mas nosso problema é no FUTEBOL. Eu todo ano olho o time que foi montado e já sei que não vai brigar. É o óbvio. Futebol é investimento. Vai contratando, vai melhorando o time, todo final de ano manda os bagres embora. Todo ano tem que mandar embora uns 3 ou 4 caras. Tipo Wesley, Denilson, esse Hudson. Esses bagres ficam 3,4 anos afundando o time e ninguém manda embora... Enfim, nosso problema é investimento e competência na diretoria de futebol. Esse texto é bonito e tal, mas não é isso não. Tudo que ele fala lá em termos de estrutura seria ótimo, é CLARO, mas o PROBLEMA não é esse.
Rafael Rocha
20 de fevereiro de 2019Pois é Perrone ... há algum tempo digo isso aqui, desde a época do Globo Esporte.com O SPFC ficou para trás, não só por causa de sua diretoria arcaica, mas também com a ajuda de torcedores nostálgicos e de pensamentos retrógrados. Quando disse uma vez que o Morumbi deveria ser demolido e construir um estádio novo, nos moldes das arenas de futebol Americano (ex: The Atlanta Falcons - Mercedes Benz Stadium), já pensando no em futuro, coisa de 50 anos ou mais. Um monte se mostrou avesso, inclusive você, Daniel Perrone, disse que seria o primeiro a entrar na frente do trator. Que isso!!! A atual realidade do clube transcede de pensamentos assim como o seu, pessoas que que não viram a tecnologia, o novo chegando, ou ignoraram. Agora estamos assim. Eu quero um SPFC moderno, futurista, que entre os grandes, seja realmente o primeiro. Não quero ser a próxima Portuguesa, mas infelizmente estamos caminhando para isso.
Samuel B
20 de fevereiro de 2019Tudo escrito é fato ! Torceremos num breve futuro igual torcem os torcedores do Juventus da Mooca, seria uma boa no Morumbi também ter os cannolis Muitos vão espernear mas a verdade é nua e crua, acima de tudo cruel !
kstrocorrea
20 de fevereiro de 2019Eu acho interessante a imprensa esportiva descer a lenha no São Paulo como se nós torcedores não soubesse da draga que o clube vem passando a anos pela incompetência e principalmente pelos interesses próprios desses malditos diretores. O assunto à anos é o São Paulo não ganhar títulos, é o São Paulo ser desclassificado em mata-matas e etc. Como se outros times não tivessem passando por isso e que eu me lembro teve um clubinho que é um dos favoritos da Tv BoBo que o São Paulo não deixou cair num paulistinha desses passados. Tem muita gente rindo da situação que o São Paulo se encontra porque o São Paulo antes incomodava os outros, principalmente com a soberba de torcedores dizendo: soberano, time grande não cai... essa conversa de boi dormir que ao meu ver é ridícula. Infelizmente da mesma forma que disse que esse time ia ser desclassificado da libertadores eu vou adiantar aqui se não trazer jogadores para chegar e jogar, o São Paulo cai. Esse time morreu psicologicamente, fisicamente também ( o que me estranha) , não tem força para se levantar e a gasolina que era o torcedor está em falta e provavelmente ficará com o abastecimento comprometido ( Morumbi) , estamos perto de se tornar uma portuguesa, quem duvida ? O nosso clube virou parque de diversões ninguém nos respeita mais! Como eu disse antes, esperaram ser eliminados de uma competição importante para contratar um bom técnico, agora vai esperar ser rebaixado para mudar? Precisamos começar do zero para mudar como outros times? Pede logo para sair seus incompetentes enquanto há tempo! Respeite o maior patrimônio que é o torcedor!
Pedro Leão
20 de fevereiro de 2019Onde o torcedor tem culpa nisso??? Eu vou ao estádio, apoio, compro produtos oficiais do clube e sou sócio torcedor. A minha parte eu sempre fiz. O futebol brasileiro, por uma série de fatores, há muito está nivelado por baixo. Quem tem três reais a mais já sai na frente. Se você olhar bem, o time não é ruim em comparação ao restante. Tenho certeza que hoje tem um dos cinco melhores elencos. O problema é outro, interno. Aí neste ponto concordo com o texto. Sempre achei o Leco um péssimo gestor de futebol. Isso desde os tempos de Marcelo Portugal Gouvêa no início dos anos 2000. Mas ao que me parece, Leco fez uma escolha: trabalhar para sanar o clube. Isso ele tem feito com a redução da dívida e a tentativa do estatuto. Porém, é um péssimo gestor de futebol entregue aos dissabores dos conselheiros. Outro ponto interessante: no Brasil jogador de futebol dirigente nunca deu certo. Zico, Dinamite e outros estão aí pra provar... Os políticos do SP precisam.parar de achar que são donos do clube e largar o osso. O SP precisa de paz para trabalhar, algo que nunca aconteceu depois da saída de Muricy Ramalho. O SP não pode apostar em Jardines, Aguirres e outros nomes sem expressão. Cuca é um nome forte que pode dar a calma que o time precisa.
Caio Batista
20 de fevereiro de 2019Embora tenha sido mais um ingrediente da tragédia, não foi o Aidar e sim o terceiro mandato do Juvenal o ápice da derrocada. Queria entender porque o autor do texto não cita o JJ.
Leonardo Belem
20 de fevereiro de 2019Triste realidade, nua e crua... tenho 42 anos e para quem viu o que eu ví a tristeza é ainda maior mas ainda tenho um pingo de esperança, tenho um filho de 9 anos e espero que ele possa ter alegrias como eu tive.
Diego Mirandola
20 de fevereiro de 2019Estamos assistindo o fim então? É isso? Leco está nessa diretoria há quanto tempo? Ele representa tudo o que é ruim desde que o Juvenal alterou o estatuto. Nunca ganhou nada! E está conseguindo rebaixar o TRIMUNDIAL. Todo trabalho que foi construído com qualidade e amor ao clube está sendo destruído. Triste demais.
Alexandre
20 de fevereiro de 2019Daniel, uma eventual série B no Campeonato Brasileiro seria o início da salvação do SPFC? Causaria um grande estrago (diretoria, conselho, enfim, estrutura diretiva e esportiva como um todo) ou não?
Daniel Perrone
20 de fevereiro de 2019Série B nunca seria solução. Nunca foi para nenhum clube. abs
Dario Machado
20 de fevereiro de 2019Esse texto resume a real e exata situação desse outrora time pioneiro. E isso é triste!
CARLOS FERREIRA MAURICIO
20 de fevereiro de 2019E onde entra a culpa do torcedor? Viramos torcedores sem identidade, para os quais qualquer contratação ou promessa, por mais fajuta que seja, servem de motivação para lotarmos estádios e voltarmos a acreditar. Cansamos, mas ainda não paramos... Um dia seremos incompreendidos como torcedores da Lusa, entre tantos outros.
CLEBER
20 de fevereiro de 2019Falou, falou e não disse nada.
Laion
20 de fevereiro de 2019Vamos ganhar títulos nacionais e internacionais, o que importa é a, glória como dizia Juvenal Juvêncio, utilizando os títulos para tampar os podres da gestão anterior, do autoritarismo, estamos pagando as dividas e mantendo um time razoável, enquanto outros olham para outros times, que pegam patrocínio grande mas devem o governo até cansar ou não pagam o seus estádio, ou deixam para a empresa utilizar como forma de pagamento, sabemos que o mundo é cruel, mas o pior do time, não é o time rival, é o seu próprio torcedor, já que muitos sabem tanto de futebol, vai lá e fax o time jogar, ou fiquem calados, vcs veram o que vai acontecer em breve, no futebol brasileiro, aguardem e verão.